Capitalismo vs Democracia
- Jornal de Matosinhos

- 1 de mai. de 2020
- 3 min de leitura
JOSÉ JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
Membro do Bloco de Esquerda

A globalização capitalista ao impor preocupações de maior competitividade e de menor criação de laços de solidariedade, arrastou a sociedade para caminhos desregulados de direitos do trabalho que roçam a desumanização e tornou-se responsável pela perda de valores éticos por parte da humanidade. O exacerbar da competitividade é um dos factores que mais forçam o presente estado de coisas, alargado a todos os campos da vida em sociedade, até mesmo incentivado na infância. Não é que alguma competição saudável entre as pessoas e entidades não possa contribuir para a evolução e o desenvolvimento, mas uma competição desenfreada apenas leva a uma luta que conduz a um egoísmo exacerbado, de cada um por si, que separa cada vez mais as pessoas e mina irremediavelmente as relações entre os cidadãos e a própria sociedade. Os cidadãos em si não interessam nada, só interessam como consumidores compulsivos. A globalização capitalista desenvolveu para seu próprio benefício um consumismo global de tal modo fantástico, que ultrapassa as ideologias e a destrói os laços entre pessoas e os povos. Só somos felizes se adquirirmos coisas, o automóvel de tal marca ou casa num paraíso enganador. A felicidade esgota-se no acto da aquisição de bens tantas vezes supérfluos. Antes do aparecimento dos jogos electrónicos e da sua proliferação maciça, as crianças e jovens de então usavam os jogos e desportos que traziam competências em termos de regras e normas de convivência social, de companheirismo e de valores como a lealdade. Havia a competição natural e saudável. As normas que eram assim interiorizadas perderam-se com a actividade dos jovens isolados preferencialmente em torno de um telemóvel ou de qualquer outro aparelho electrónico. A solidão acompanha muitos destes jovens que já nem sabem conviver. É necessário incentivar o mais possível a prática de desportos colectivos. Esta constatação nada tem de saudosismo ou passadismo, limita-se a confrontar uma realidade perfeitamente palpável. O obstáculo à entrada de alunos no ensino superior com a criação do numerus clausus e outras barreiras trouxe maior competição entre os alunos do ensino secundário, alcançando níveis até aí inimagináveis. Instalou-se um negócio no ensino e que veio para ficar. Assistimos ao recurso dos pais a colégios privados para que os respectivos educandos consigam notas mais elevadas que facilitem o acesso às universidades. Igualmente no acesso ao primeiro emprego, mais uma vez se verifica a mais desbragada competição que em muito contribui para a desagregação dos jovens trabalhadores, cada um por si, dificultando a sua sindicalização. Trata-se de aplicar o princípio de dividir para reinar que o capitalismo selvagem tão bem soube adaptar e utilizar, impondo um individualismo bárbaro. Pode parecer à primeira vista que estes factos não são compagináveis com a globalização capitalista, mas se os analisarmos cuidadosamente verificamos que efectivamente tem ligações com todo o enquadramento engendrado pelo aparelho difusor e reprodutor do capitalismo para a sua protecção e desenvolvimento. O Liberalismo, fruto do Iluminismo, foi um poderoso avanço civilizacional face ao Antigo Regime do absolutismo, hoje o capitalismo global é uma ideologia da rapina organizada á escala mundial com o nome de Neoliberalismo. Os princípios consagrados pela Revolução Francesa de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, bem como na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, foram substituídos por um valor único e absoluto, a santa competitividade do mercado sem regras que alterou de forma drástica a vida em comunidade. O mundo está cada vez mais desigual, entre os que tudo têm e os que nada têm. É imperativo que as democracias concertem medidas que regulem e combatam os abusos do capitalismo monopolista e globalizante, defendendo as regras democráticas, os direitos dos cidadãos e a justiça social, no respeito pelos seus eleitores. Nos dias que correm a democracia é cada vez mais dificilmente compatível com o capitalismo. A crise sanitária trouxe à tona a necessidade da nossa adaptação a formas de vida mais simples, de menos esbanjamento de recursos naturais, de contenção na utilização de produtos supérfluos, de incentivo à produção de bens de primeira necessidade, que nos tornem menos dependentes das importações, de alguma autonomia e soberania nacional em termos de bens alimentares e outros, de maior controlo do Estado de sectores estratégicos da economia, como a banca, os transportes e a saúde. Igualmente ficou claro que o investimento no Estado Social é imprescindível para assegurar um verdadeiro apoio social universal, sem excluir ninguém, capaz de garantir a todos o bem-estar. Só assim será possível contribuir para alterar o paradigma actual de capitalismo selvagem, respeitando a natureza e combatendo a catástrofe ambiental que a corrida desenfreada ao lucro tende a provocar inexoravelmente.








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